Simplesmente Diferente
Não posso falar pelas vidas dos outros, cada um tem os seus motivos, os seus sonhos, os seus desacatos interiores, os seus encantos... posso falar apenas do que me vai sucedendo, dia após dia, e me vai continuando a maravilhar, a espantar, pois são, por vezes coisinhas ínfimas, nas quais eu jamais tinha sequer pensado ou dado qualquer importância e que, como num salto de Sininho ou Peter Pan, se desdobram diante da minha mente, dos meus olhos, do meu Ser interior que vou conhecendo um pouco melhor. Um dia destes, acabara de tomar banho, deixara o cabelo solto, para secar livremente, como sempre fiz, e fui para a sala, aproveitar o sol do fim de tarde para ler. Quando dei por mim, o sol já se fora e o cabelo precisava ser penteado. Lá fui eu, de volta ao espelho, e um raio de sol matreiro mostrou-me o branco-prata lindíssimo das raízes do meu cabelo que gritavam há tempo "precisas de fazer madeixas!". Parei, estupefacta. Olhei de novo e revi o branco-prata do cabelo da minha avó materna, Jacinta, da minha tia-avó, Laura. Que privilégio me fora dado. Que honra! Resolvi observar mais um pouco a imagem da sexagenária no espelho. Além do branco-prata a surgir, qual flor de primavera que teima em voltar a cada novo ano, as ondas largas, revoltas, esparvoadas do meu cabelo de menina e moça, também estavam ali. E tudo isto porquê? Porque estive mais de um mês doente, sem vontade de ir compor o cabelo, de sair de casa. Tive vontade apenas de me sentar quietinha e de tentar sarar, curar. Fiquei em casa. Li. Dormi. Escrevi. E quando tive tempo e vontade, olhei a sexagenária que me olhava de volta no espelho e percebi que não havia nada melhor do que reconhecermo-nos. E agirmos em conformidade com o que a nossa alma sente e o nosso espírito manda.