CREDO...!
Por volta das 3 da tarde, entra-me um aluno na Sala de Estudo, para onde vai com alguma frequência. A sala tem já mais 8 alunos, todos eles a fazer um teste conjunto ao qual, por motivos vários, faltaram, sendo este o último dia em que o podem efetuar. Vamos chamar Anderson ao aluno que acaba de entrar, para não haver confusões. Anderson entra, de narinas alargadas pela raiva, a mochila suspensa de uma mão, a ficha de trabalho meio amarrotada na outra e olha para mim, sentada atrás da secretária, com um olhar acossado. Não diz uma palavra, dirige-se à carteira mais afastada e senta-se, com algum barulho e arrojar de cadeira. Entretanto, eu já me levantara e pegara calmamente nos documentos usuais de registo. Vou ter com ele. Sento-me ao seu lado e explico, baixinho, que os colegas que ali estão, se encontram a fazer teste. Responde, baixinho também, um " tá bem". A respiração, ofegante, começa aos poucos a normalizar. Pergunto-lhe "então, Anderson, o que se passou desta vez?" Volta a agitação, a raiva, ao tentar explicar-me que caiu, ao pôr a cadeira para trás, na brincadeira, e o "stôr" pusera-o na rua. Digo-lhe "acalme-se e diga-me: traz trabalho, não é, meu amigo?" Responde que sim, que é só uma parte da ficha, e que vai fazer tudo depressa, para mostrar ao stôr. Não trouxe folha nem caneta "esqueci-me na sala". Calmamente, vou buscar o que lhe falta e que eu posso suprir naquele momento.
Anderson tem já 17 anos, um percurso escolar, pessoal, familiar e social bastante atribulado. Já esteve institucionalizado. Está no 8.º ano de um curso CEF, lê titubeantemente, a sua forma privilegiada de comunicação é a raiva, o seu objetivo principal é deixar a escola, "ir para mecânico". Obviamente que não é fácil falar com ele, mas temos feito alguns progressos. Feita a ficha de trabalho que o professor lhe mandara, arruma as suas coisas, vem até à minha secretária, entrega-me a esferográfica e diz "obrigado". Sai ordeiramente, menos enraivecido.
Pergunto-me sempre se terei feito bem o meu trabalho... Nestes casos não há receitas, há bom senso, experiência, respeito por aquele ser tão longe do aluno ideal, do aluno regular, sem questões de maior por resolver. Estará a Escola preparada para dar resposta a estes casos? Não, tenho a certeza que não! E nós, os professores, estamos aptos a cuidar, sozinhos, destes casos? Possivelmente, não. Mas...poderemos desistir? Teremos o direito de fingir que aquilo não nos diz respeito? Que podemos fazer, afinal? Creio que, se, por um lado, é essencial estabelecer limites, regras, por outro, é primordial não ter receio de adoçar tudo isso com um pouco de alegria, de sentido de humor, de empatia. Dir-me-ão que estou a ser utópica...Talvez, mas se não for por eles, pelos alunos inadaptados, que eu me esforce, terei sempre de o fazer por mim: detestaria que um aluno saísse da Sala de Estudo no mesmo estado de alma que o catapultou para lá! Acredito que a Sala de Estudo de uma escola deveria ser isso mesmo, um local para onde os alunos podem ir estudar, trabalhar, sempre que lhes apetecer. Infelizmente, a Sala de Estudo é muito mais uma Sala de Castigo, e isso entristece-me.
Acredito que, aos poucos, as coisas podem ir mudando, melhorando. Acredito que são as pessoas que fazem com que a mudança se vá instalando. Acredito em passinhos de bebé que nos podem levar longe. Acredito nas pessoas, mesmo nos Anderson desta vida!
E deixo-vos com uma máxima que há muito norteia os meus dias:
A Vida é-nos dada para grandes coisas, mas são as pequenas coisas que fazem a Vida grande!