MEMÓRIAS
Já houve tempo em que eu só podia desejar passar um fim-de-semana num sítio calmo, numa pensãozinha pacífica, lá no meio de nenhures, para descansar ou, melhor ainda, para viajar, ir conhecendo... Nesse tempo, os meus pais cumpriram esse meu desejo. Nas férias, apesar de estarmos a anos-luz de sermos ricos, levaram-me a conhecer o que eu ambicionava conhecer. Com eles percorri Portugal de fio a pavio, vi os museus que havia para ver, as cidades, as vilas, lugarejos importantes e os que estavam longe de o ser mas que, por qualquer razão, me interessavam A MIM. A vida dos meus pais foi vivida em função da filha única, a quem davam o que podiam e o que nem sequer julgavam algum dia conseguir. Fui criada com a noção de que, sendo pobres, podíamos alcançar o que nos propuséssemos, desde que o desejássemos e trabalhássemos para isso. Essa foi a herança que recebi em cada dia da minha vida, enquanto criança, adolescente e adulta. Educar é dar exemplo e essa tarefa devia ser objecto de avaliação, imposta por lei. Fora assim, e os meus pais teriam tido honras de aprovação com distinção e mérito. De qualquer modo, creio que sentem a satisfação do dever cumprido, da tarefa árdua de educar pelo exemplo, para toda uma vida. Educar pelos valores, pela alma. Sempre com a noção de que só não podemos o que não trabalharmos para conseguir, os meus pais ajudaram-me sempre, deram-me um curso superior, foram meus braços direitos ao longo da jornada de criar os meus próprios filhos, e fizeram, este ano, a renovação dos seus votos de casamento no dia em que celebravam cinquenta anos de vida em comum. Creio que nada me será mais gratificande do que ter tido o privilégio de poder testemunhar, participar nessa celebração. Escrevo estas notas à mesa de pequeno almoço, num hotel de luxo. Hoje, posso estar aqui, mas não é isso que me faz feliz. O que me traz felicidade é olhar para trás e sentir que fui sempre bafejada pela sorte de ter tido quem me amasse. Isso sim, põe-me um sorriso na alma. Acabo tranquilamente o café da manhã e espraio os olhos pela praia que acolhe, em doce calmaria de finais de Setembro, o meu passeio matinal...